Ao aproximar-se o dia mundial de combate ao câncer de próstata, 17 de novembro, a Sociedade Brasileira de Urologia vem esclarecer as dúvidas sobre a necessidade do diagnóstico precoce desse câncer, antes mesmo de ele produzir qualquer tipo de sintoma. Inicialmente é necessário enfatizar que o diagnóstico precoce aumenta as chances de cura, diminui a possibilidade de morte causada por esse câncer e evita o sofrimento e a necessidade de tratamentos de alto custo para o controle dessa doença.
O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais incidente na população masculina em todas as regiões do país, atrás apenas dos tumores de pele não melanoma. No Brasil, estimam-se 71.730 novos casos de câncer de próstata por ano para o triênio 2023-2025. Atualmente, é a segunda causa de óbito por câncer na população masculina, reafirmando sua importância epidemiológica no país (INCA, 2022).
A idade é o principal fator associado ao aumento da incidência do câncer de próstata, apresentando seu pico na sexta década de vida. O histórico familiar de câncer de próstata, principalmente antes dos 60 anos, e a síndrome metabólica estão associados a maior incidência (até 56% mais riscos) (ESPOSITO et al., 2013) e achado de tipos histológicos avançados (INCA, 2021). Destacam-se também como fatores associados à doença a etnia (homens de raça negra) e a exposição a agentes químicos relacionados ao trabalho, sendo responsável por 1% dos casos de câncer de próstata (BRASIL, 2021).
A alta incidência desse câncer se ancora nas hipóteses sobre o efeito combinado do envelhecimento da população, melhoria da sensibilidade das técnicas diagnósticas, da disseminação do teste de medição dos níveis sanguíneos do Antígeno Prostático Específico (PSA) e do toque retal, que possui a finalidade de avaliar o tamanho, o volume, a textura e a forma da próstata (LOEB et al., 2014; EAU, 2023). A correlação entre o aumento da incidência, associado ao diagnóstico precoce devido à investigação de homens assintomáticos e à redução das taxas de mortalidade câncer específica apresentam evidências conflitantes gerando recomendações controversas acerca do benefício do rastreamento (DE VOS et al. 2023; BRASIL, 2016; COLEMAN et al., 2008).
Entre as ações para minimizar a morbidade associada ao câncer de próstata, a detecção precoce se destaca com importância singular. O diagnóstico precoce está intimamente ligado à investigação de homens sem sintomas ou com sintomas leves, nem sempre associados ao câncer de próstata (sintomas urinários de armazenamento ou obstrutivos mais relacionados à hiperplasia benigna de próstata). O rastreamento se caracteriza pela aplicação sistemática de exames em pessoas assintomáticas, com o intuito de identificar uma lesão precursora ou um câncer em estágio inicial, estratégia consagrada para alguns tipos de câncer como o de colo uterino e de mama, este último amplamente apoiado pelas sociedades e entidades governamentais (demonstrando um número necessário para rastreio de 601 a 781 mulheres para salvar uma vida da morte por câncer de mama) (WHO, 2017; RICHARDSON et al., 2001). Os dois estudos mais robustos relacionados ao rastreamento do câncer de próstata têm resultados opostos, muito por conta de diferenças metodológicas no que tange à liberalidade para execução de testes de PSA no grupo controle (ANDRIOLE et al., 2009; DE VOS et al. 2023).
Revisões sistemáticas sobre rastreamento de câncer de próstata, que incluíram estudos metodologicamente diferentes, demonstraram aumento significativo no diagnóstico desse câncer, sem redução significativa da mortalidade câncer específica, elencando riscos associados ao número de biópsias desnecessárias e diagnóstico de cânceres com baixa relevância clínica, mas com redução relevante no número de homens diagnosticados com doença metastática (ILIC et al., 2013; HAYES et al., 2014; ILIC et al., 2018).
Um dos principais estudos sobre o tema, o European Randomized Study of Screening for Prostate Cancer (ERSPC), em 2023, após 21 anos de acompanhamento, mostrou redução significativa na mortalidade câncer específica na ordem de 27% com o rastreamento feito baseado em PSA, usando como ponto de corte o valor de 3.0 e rastreando homens assintomáticos de 55 a 74 anos a cada 4 anos (DE VOS et al. 2023). As elevadas taxas de sobrediagnóstico – que se caracteriza pelo diagnóstico de um câncer que não evoluiria clinicamente e não causaria danos durante a vida – são ponto de debate nas atualizações prévias desse estudo, porém sua publicação mais recente demonstra um número necessário para rastreamento de 246 homens e 14 diagnósticos para salvar uma vida da morte por câncer de próstata (FENTON et al., 2018; HUGOSSON et al., 2019; DE VOS et al. 2023).
A posição da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o rastreamento do câncer de próstata é que os principais obstáculos para a implantação de um programa efetivo são a maior frequência de tumores indolentes com o aumento da idade, e uma morbimortalidade significativa relacionada aos procedimentos utilizados até o momento para tratar o câncer de próstata (WHO, 2020; BRASIL, 2010). Essa posição tem contraponto nos atuais trabalhos de vigilância ativa (reduzindo a morbidade do tratamento de tumores clinicamente menos significantes) e no advento de tecnologias que reduzem o número de biópsias desnecessárias como os nomogramas clínicos, a densidade de PSA e a ressonância nuclear magnética de próstata (KLOTZ L, 2003; NORDSTRÖM et al., 2018; RUSSO F et al., 2021).
O grande desafio no tratamento do câncer de próstata se centra na identificação dos tumores de potencial indolente. Sabe-se que alguns poderão evoluir de forma lenta, sem chegar a apresentar sinais durante a vida e sem ameaçar a saúde do homem (BELL et al., 2015). Estudos de muito longo seguimento como o ERSPC demonstram que o efeito de ganho de sobrevida no diagnóstico de câncer de próstata em homens que iniciaram o rastreio septuagenários é controverso, sendo a idade um dos principais fatores a serem considerados no que tange ao tema de câncer de próstata indolente (DE VOS et al. 2023).
Muitos homens com a doença menos agressiva tendem a morrer com o câncer em vez de morrer do câncer, mas nem sempre é possível dizer, no momento do diagnóstico, quais tumores terão comportamento agressivos e quais terão crescimento lento (SCHWARTZ, 2005). Ferramentas modernas trazem à tona essa discussão com intuito de selecionar melhor o paciente que se beneficiará de tratamento, sendo as principais já previamente citadas (nomogramas clínicos, os refinamentos do teste de PSA – cinética, densidade e tempo de duplicação – e a ressonância nuclear magnética de próstata).
A prevalência do câncer de próstata em autópsias de homens que morreram por outras causas demonstrou que, entre os homens com idade de 40 a 50 anos, 37% dos investigados possuíam achados histológicos compatíveis com câncer e, em homens com idade acima de 79 anos, essa taxa subiu para 60%, endossando a elevada prevalência da doença e demonstrando o volume de pacientes que nunca serão diagnosticados mesmo em racionais de rastreamento já vigentes na época dos estudos revisados (BELL et al., 2015). Com o rastreamento, muitos desses cânceres poderiam ser detectados desnecessariamente, com potencial sobrediagnóstico e eventual “sobretratamento”, fato que pode ser claramente minimizado com a adoção de políticas de vigilância ativa (KLOTZ L, 2003; INCA, 2021). Por outro lado, o rastreamento reduz de forma significativa o risco de diagnóstico de doença metastática (até 2 vezes menos no grupo de rastreamento), a qual proporciona elevados custos de saúde e traz grande perda de qualidade de vida e sobrevida a homens que poderiam ter sido diagnosticados e curados nas fases assintomáticas da doença (DE VOS et al. 2023).
O “sobretratamento” é o tratamento de cânceres que não evoluiriam a ponto de ameaçar a vida e pode gerar importante impacto na qualidade de vida dos homens. Foram identificadas taxas de até 60% para disfunção sexual e de até 20% para incontinência urinária, dados que podem ser minorados quando levamos em conta os avanços tecnológicos nas terapias e a adoção adequada de protocolos de vigilância ativa (KLOTZ L, 2003; FENTON et al., 2018; US PREVENTIVE SERVICES TASK FORCE, 2018).
Além de fortalecer a promoção da saúde e a prevenção, para o controle do câncer de próstata é fundamental organizar a rede de atenção à saúde para o diagnóstico precoce, com a investigação célere dos casos suspeitos e o início do tratamento adequado, com disseminação de informações voltadas à população e aos profissionais de saúde.
Segundo a OMS, algumas ações e mudanças de hábitos reduzem os fatores de risco de prevalência do câncer, como: controle do tabaco, prevenção ao uso do álcool, promoção da atividade física, alimentação saudável, combate ao sedentarismo e a obesidade, entre outros (WHO, 2020).
Considerando o exposto, recomenda-se aos gestores estaduais e municipais as seguintes medidas:
- Organizar a rede de Atenção Primária à Saúde como porta de entrada e lócus de avaliação prioritária, no sentido de encaminhar ao urologista para orientação os homens com idade entre 45 e 74 anos, mesmo que assintomáticos, interessados na detecção precoce do câncer da próstata;
- Implementar, em larga escala, estratégias de disseminação de informações para a população sobre os sinais de alerta do câncer de próstata, sua prevalência e a importância de discutir individualmente o rastreamento considerando que a doença é completamente assintomática em seus estádios curáveis;
- Informar aos homens que demandarem espontaneamente a realização de rotina de PSA e/ou toque retal sobre o balanço entre os possíveis benefícios e os riscos do rastreamento, estimulando a decisão compartilhada;
- Discutir individualmente com todos os homens entre 55 e 74 anos, que tenham expectativa de vida maior de 10 anos, sobre os potenciais benefícios e riscos de rastreamento do câncer de próstata com PSA;
- Considerar essa discussão em idades precoces 45 a 50 anos para grupos sabidamente de risco (histórico familiar, mutação genética BRCA conhecida, homens negros);
- Propor realização de testes anuais de PSA nessas faixas etárias para aqueles que desejam prosseguir com o rastreamento, sendo que em casos de baixo risco esse intervalor pode ser aumentado, realizando campanhas de conscientização sobre o tema, com enfoque na característica majoritariamente assintomática do câncer de próstata;
- Capacitar os profissionais da Atenção Primária à Saúde sobre a importância da discussão e tomada de decisão sobre o câncer de próstata e os testes disponíveis para identificação precoce em suas fases assintomáticas bem como para os sinais de alerta de doenças prostáticas, em parceria com serviços de saúde e instituições de ensino, qualificando a atenção dada aos homens e seus familiares;
- Fortalecer as ações educativas e de comunicação em saúde direcionadas à população masculina sobre autocuidado em saúde e prevenção de doenças cardiovasculares, dos cânceres mais prevalentes e outras doenças crônicas não transmissíveis;
- Atualizar o instrumental das equipes e orientar a população em geral, por meio de novas publicações institucionais acerca do tema contendo dados de literatura consolidados até 2023.
Sociedade Brasileira de Urologia
Referências
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