Covid-19 pode provocar priapismo, episódio de ereção prolongada

O novo coronavírus, causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS CoV-2), tem levado a uma crise de saúde mundial. Cerca de 5% dos pacientes requerem tratamento em unidade de terapia intensiva em decorrência dos sintomas de falta de ar e a consequente necessidade de suporte ventilatório. Entre os que desenvolvem manifestações respiratórias, um percentual significativo apresenta uma situação chamada de hipercoagulabilidade.

Isso faz com que o sangue coagule com mais facilidade no interior dos vasos sanguíneos do pulmão e da região das pernas e por isso torna-se necessário o uso de medicações preventivas, que inibem a coagulação sanguínea.
Em junho foi publicado no American Journal of Emergency Medicine* o relato de um paciente francês de 62 anos atendido na emergência com falta de ar, febre e ereção peniana com duração de quatro horas. Essa ereção prolongada, geralmente dolorosa e não relacionada ao desejo sexual, é chamada de priapismo e representa uma emergência médica. Essa foi a primeira descrição de um priapismo relacionado à infecção pelo coronavírus.

A infecção pela SARS CoV-2 determina um risco maior de fenômenos tromboembólicos em função da resposta inflamatória maciça frequentemente associada, que altera a estrutura da parede dos vasos sanguíneos (chamada de endotélio), leva a uma situação de hiperviscosidade sanguínea (o sangue fica mais denso) e hipercoagulabilidade. Essas alterações na parede dos vasos e no sangue circulante muito provavelmente foram a causa do priapismo no caso do homem francês, já que não foi identificado outro fator de risco para o ocorrido.

Diagnóstico e tratamento

A avaliação diagnóstica no paciente com priapismo deve incluir a história clínica, exame físico e avaliação laboratorial. Em alguns casos, uma avaliação radiológica se faz necessária.

Há dois tipos principais de priapismo, o de baixo fluxo (ou isquêmico) e o de alto fluxo (ou não isquêmico). É muito importante a diferenciação entre eles porque o tratamento é diferente nas duas situações. Na história médica é importante detalhar a duração da ereção, a presença de dor, a história anterior de episódios semelhantes, o uso de medicações ou de drogas que possam ter precipitado o episódio (álcool, cocaína, injeções penianas para obtenção de ereção, entre outros), história de trauma pélvico ou perineal e as doenças preexistentes. Algumas doenças hematológicas como a anemia falciforme alteram a viscosidade sanguínea e predispõem à ocorrência de priapismo, que frequentemente se apresenta de forma intermitente nesses pacientes.

A avaliação laboratorial deve incluir obrigatoriamente um hemograma. Alterações na contagem ou na forma das células vermelhas (hemácias), brancas (leucócitos) ou ainda nas plaquetas podem dar importantes pistas diagnósticas. A punção do pênis para a aspiração de uma pequena quantidade de sangue é um passo fundamental no manejo do priapismo. O sangue aspirado em pacientes com priapismo isquêmico é pobre em oxigênio e, portanto, de cor escura. Já o sangue aspirado no priapismo não isquêmico é normalmente oxigenado e, por conseguinte, vermelho vivo.

A análise laboratorial das pressões de gás carbônico e oxigênio, chamada de gasometria, permite a diferenciação entre o priapismo isquêmico e o não isquêmico.

A ultrassonografia com doppler peniana pode ser utilizada como alternativa ou complementar à gasometria para estabelecer o tipo de priapismo. No isquêmico, pouco ou nenhum fluxo sanguíneo é observado nas artérias cavernosas, enquanto o não isquêmico tem velocidade de fluxo sanguíneo normal ou elevado.

Feito o diagnóstico do tipo de priapismo, o tratamento deverá ser urgente. O priapismo isquêmico traz um grande potencial de lesão do tecido erétil peniano e quanto maior o tempo de evolução maiores as chances de fibrose peniana e disfunção erétil severa. O tratamento é feito através da punção e aspiração dos corpos cavernosos e/ou injeção de medicações que vão possibilitar a detumescência (retorno do pênis ao estado flácido após a ereção) peniana. Quando isso não for o suficiente para resolver a ereção prolongada, há a necessidade de drenagem cirúrgica.

Após esse relato de um novo efeito relacionado à infecção pelo coronavírus é importante que seja incluído na história de exame físico desses pacientes a avaliação de um eventual priapismo.

*M. Lamamri, A. Chebbi, J. Mamane, et al., Priapism in a patient with coronavirus disease 2019 (COVID-19): A case report, American Journal of Emergency Medicine (2020).
Dr. Giuliano Aita – urologista, Teresina, PI.

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