Escassez de BCG Oncológica no Brasil: Impacto no Tratamento do Câncer de Bexiga e Considerações sobre Produção e Abastecimento

A vacina Bacillus Calmette-Guérin (BCG), derivada de Mycobacterium bovis atenuado, foi desenvolvida em 1921 por Albert Calmette e Camille Guérin no Instituto Pasteur. Embora tenha sido concebida para a prevenção da tuberculose, a BCG intravesical é amplamente reconhecida, desde os estudos pioneiros do urologista Álvaro Morales na década de 1970, como a terapia adjuvante mais eficaz na prevenção da recorrência do câncer de bexiga não músculo-invasivo (CBNMI), sendo recomendada como primeira linha por todas as diretrizes internacionais.
Atualmente, a escassez da BCG oncológica no Brasil atinge proporções críticas, comprometendo diretamente o tratamento de milhares de pacientes. O impacto clínico da indisponibilidade de BCG é grave: ausência de terapia adequada pode acelerar a progressão da doença, elevando a mortalidade por câncer de bexiga em estágios potencialmente curáveis.
No Brasil, a produção da BCG se deu historicamente pela Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), a partir da cepa Moreau-RJ, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como referência internacional pela sua baixa taxa de eventos adversos. Entretanto, a unidade da FAP foi interditada definitivamente pela Anvisa em novembro de 2021, após repetidas não conformidades com as Boas Práticas de Fabricação (BPF), exigências fundamentais para a produção de produtos biológicos seguros. A nova planta industrial em Xerém (RJ), em construção há mais de quatro décadas e com vultuosos investimentos, ainda não entrou em operação.
Atualmente, os registros ativos de BCG oncológica junto à ANVISA pertencem à FAP (embora interditada), Uno Healthcare (para fins de importação) e ao Serum Institute of India (registro ativo até janeiro de 2025). Nenhuma destas opções tem assegurado abastecimento regular. A BCG nacional não está sendo adquirida diretamente pelo Ministério da Saúde, e os hospitais precisam buscar aquisição por meios próprios, o que eleva os custos e limita o acesso. Pacientes do sistema público ficam frequentemente desassistidos.
Os desafios globais na produção de BCG também impactam diretamente o cenário nacional. De mais de trinta fabricantes globais na década de 1990, restaram apenas 17 em 2017, e menos atualmente. Os custos de modernização da produção, o longo processo artesanal de cultivo (aproximadamente quatro meses), e o baixo valor de mercado da vacina desestimulam a indústria. Em contraste, medicamentos substitutos — como a mitomicina e imunoterápicos como pembrolizumabe — têm custo muito superior, sendo inviáveis para larga escala em países com orçamento limitado.
O número de casos de câncer de bexiga no Brasil está em ascensão, com mais de 11.000 casos estimados em 2024. A interrupção no fornecimento da BCG compromete a resposta à doença, agravada por um cenário de envelhecimento populacional e maior acesso ao diagnóstico. Embora alternativas terapêuticas estejam disponíveis, nenhuma apresenta a mesma eficácia ou custo-benefício da BCG para CBNMI.
A Sociedade Brasileira de Urologia expressa grave preocupação com o desabastecimento crônico de BCG oncológica no país e conclama as autoridades públicas a tomarem medidas urgentes para garantir a produção nacional segura, certificada e sustentável da vacina. A SBU também defende a regularização dos canais de importação com controle de qualidade, a fim de mitigar os efeitos da escassez até que se restabeleça a produção local. É fundamental garantir que todos os pacientes com câncer de bexiga tenham acesso à melhor terapêutica disponível, conforme as diretrizes internacionais.
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Sociedade Brasileira de Urologia – SBU
Junho de 2025

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