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04/06/2018

Estou perdendo xixi. E agora?

“O diagnóstico correto do tipo de incontinência é realizado com uma boa história clínica, acompanhada de exames de urina, ultrassonografia e, se possível, da realização de exame bastante específico chamado estudo urodinâmico”

A perda de qualquer quantidade de urina de forma involuntária é definida como incontinência urinária. Embora esse distúrbio não cause risco grave à integridade física, a perda urinária provoca um enorme embaraço e muitas das vezes um enclausuramento da pessoa, que não se sente mais motivada para atividades cotidianas, como viajar, passear, dançar ou namorar.

A incontinência urinária não é exclusividade das mulheres, embora elas representem a grande maioria dos afetados. A prevalência aumenta significativamente com a idade e isso decorre de inúmeros fatores, como, frouxidão do períneo, mau funcionamento da bexiga pelo envelhecimento, aumento das infecções urinárias, crescimento prostático, entre outros.

De forma bem prática, podemos dizer que temos três tipos de incontinência urinária. A incontinência provocada por esforço físico e aumento da pressão do abdômen, tais como tosse, espirro, risada e saltos, é denominada incontinência de esforço. Nesses casos, a perda urinária somente ocorre mediante esses fatores, mesmo sem qualquer desejo para urinar. A perda de urina normalmente começa com pequenas gotas, que umedecem as roupas íntimas e podem evoluir para grandes perdas urinárias, que necessitam do uso de fraldas. Os grandes vilões dessa condição são os múltiplos partos vaginais, obesidade, doenças respiratórias (tosse crônica e bronquite) e um assoalho pélvico (períneo) “sedentário”.

Existe uma outra forma de incontinência que não está relacionada com o esforço físico, mas com um desejo imperioso e urgente para urinar, que mesmo com toda tentativa de reter a urina esta acaba por sair involuntariamente, não dando tempo para chegar ao banheiro ou remover as roupas. Para essa forma de perda urinária damos o nome de incontinência de urgência ou também chamada de síndrome da bexiga hiperativa (ou “bexiga nervosa”). Essa condição é muito mais frequente do que imaginamos. Estudos mostram que cerca de 15-20% da população mundial sofram da síndrome da bexiga hiperativa, entretanto apenas 1/3 deles vai apresentar a perda urinária. Os outros 2/3 apresentam uma urgência para urinar e aumento da frequência de idas ao banheiro (acima de 8-10x/24h). Essa síndrome está relacionada a diversos fatores, como obstrução prostática, envelhecimento da bexiga e doenças neurológicas.

Em alguns casos temos os dois tipos de incontinência urinária na mesma pessoa, mas sempre com o predomínio de um tipo. Para isso damos o nome de incontinência mista.

No passado, a maioria das pacientes procurava investigação e tratamento com os ginecologistas, entretanto, com o domínio dos urologistas frente aos exames diagnósticos, tais como o exame urodinâmico e o desenvolvimento de cirurgias mais modernas e medicações mais efetivas, esses profissionais passaram a dominar o diagnóstico e tratamento desses distúrbios, o que não deixa de ser mais coerente, uma vez que somos os especialistas das patologias urinárias.

Tratamentos

O primeiro passo é definir o tipo de incontinência, uma vez que os tratamentos diferem. Enquanto na incontinência de esforço o principal tratamento é cirúrgico, nas incontinências de urgência o tratamento preferencialmente é através de inúmeros medicamentos para “acalmar” a bexiga.

O diagnóstico correto do tipo de incontinência é realizado com uma boa história clínica, acompanhada de exames de urina, ultrassonografia e, se possível, da realização de exame bastante específico chamado estudo urodinâmico.

Embora a melhor rotina inicie-se com a realização dos exames diagnósticos, podemos iniciar o tratamento de forma mais conservadora com o auxílio da fisioterapia pélvica. Essa modalidade de tratamento, embora muito eficaz e com uma história de pelo menos 20 anos, é pouco divulgada e empregada em nosso meio, por puro desconhecimento dos profissionais que lidam com esse distúrbio.

No tratamento da incontinência de esforço devemos primeiramente reduzir os fatores que elevam a pressão abdominal, ou seja, perder peso, tratar a constipação intestinal, resolver problemas respiratórios e evitar esportes de impacto. O segundo passo é iniciar as sessões de fisioterapia pélvica e principalmente reproduzir diariamente os exercícios ensinados pelo fisioterapeuta. Em casos de insucesso, optamos então para o tratamento cirúrgico, que evoluiu muito nos últimos 20 anos com a chegada das famosas telinhas (sling), que são introduzidas através de um pequeno orifício na vagina e corrigem a incontinência urinária com uma taxa de sucesso acima dos 80%.

Nas incontinências de urgência (bexiga hiperativa) o tratamento não é curativo, ou seja, ele deverá perdurar por tempo indeterminado, tal qual o tratamento de uma diabetes ou hipertensão. Da mesma forma que essas outras patologias, o tratamento da bexiga hiperativa vai muito além de simplesmente usar as medicações. A paciente deverá apoiar seu tratamento em um tripé que consiste em medidas comportamentais, como: evitar uso de cafeína, bebidas alcoólicas e gasosas, alimentos muito cítricos e condimentados, pois são todos eles irritantes vesicais. A segunda base do tripé baseia-se na fisioterapia pélvica com o treinamento dos exercícios perineais e uso de diversos equipamentos (eletroestimulação e biofeedback), que irão gerar estímulos neuromusculares auxiliando no bom funcionamento da bexiga. A terceira perna do tripé são as medicações, que tem por finalidade “acalmar” a bexiga reduzindo sua hiperatividade.

Efeitos adversos

Infelizmente, nem sempre conseguimos um bom resultado no tratamento medicamentoso, causado por uma enorme taxa de abandono do tratamento devido ao custo elevado ou intolerância aos efeitos adversos, tais como boca seca e constipação intestinal, ou mesmo por ineficiência das medicações.

Por outro lado, a indústria farmacêutica vem lançando sucessivamente novas medicações mais efetivas e de custo mais acessível. Nos casos de forte intolerância a todos os medicamentos e ineficácia de resultado (refratária), ainda nos resta a aplicação de toxina botulínica na bexiga através de um procedimento semelhante a uma endoscopia, porém pela via urinária. Outra opção, bem menos acessível devido ao elevado custo, é a neuroestimulação sacral, um dispositivo semelhante a um marca-passo que é implantado diretamente na medula através de uma agulha especial.

Para concluir, vemos que a incontinência urinária não é considerada um processo natural do envelhecimento, embora muito relacionada a ele e que tem uma gama de opções terapêuticas muito eficazes para devolver a alegria e o conforto ao indivíduo incontinente.

Dr. Francisco Coutinho – Rio de Janeiro, RJ

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